CM, SECÇÃO ECONOMIA ABERTA

(70º artigo ® 27/3/1995)

As crises cambiais

Avelino Crespo

A paridade central do escudo no seio do mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu (SME) foi desvalorizada pela terceira vez desde 1992 no passado dia 6 de Março. Existe um largo consenso em torno das causas que motivaram esta desvalorização. O escudo foi arrastado pela peseta, cujos problemas por sua vez se terão ficado a dever bastante mais a causas externas (crise do dólar) do que a factores internos (por sua vez mais de natureza política do que económica). O que é menos clara é a razão de ser para a crise do dólar.

Há quem considere que hoje em dia os mercados financeiros são totalmente irracionais e imprevisíveis, mais se assemelhando a casinos, para usar as palavras do ex-presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors. No outro extremo há quem os endeuse e veja neles todas as virtudes da economia de mercado. Pessoalmente pensamos que a verdade se situa algures entre estes dois extremos, mas pelo menos a curto prazo afigura-se-nos que há tendências cambiais difíceis de compreender implicando flutuações e custos muito acima do desejável.

É claro que mesmo a curto prazo há sempre uma ampla gama de argumentos para justificar à posteriori qualquer evolução cambial. Só que muitos dos argumentos são frequentemente esgrimidos em sentidos opostos consoante as situações e os momentos. Por exemplo, muitos observadores têm considerado desde há uma série de tempo a esta parte que o dólar está sub-avaliado, e que portanto se deveria apreciar, de acordo por exemplo com o critério do custo do mesmo tipo de bens em países diferentes (paridades de poder de compra, no jargão dos economistas). Ao invés de tudo isso, a moeda americana caiu de forma brutal neste início de 1995, especialmente na primeira semana de Março, para os seus níveis mais baixos desde a Segunda Guerra Mundial face ao marco alemão e ao yene japonês.

As explicações à posteriori para o sucedido não são muito convincentes. A mais frequente é a dos efeitos da ajuda americana ao México, seja em termos dos seus custos orçamentais, do possível efeito de contaminação do sistema financeiro americano ou ainda da menor vontade dos EUA subirem as suas taxas de juro para não criarem dificuldades insuperáveis de pagamento da dívida aos seus vizinhos do Sul. Outros argumentos passam por problemas a vários níveis da economia americana: o défice orçamental, o défice externo, a desaceleração no crescimento económico, a pouca vontade do banco central subir mais as taxas de juro de curto prazo, etc..Porém, quando se olha para os bons resultados recentes da economia americana, incluindo as previsões para o futuro próximo, em termos de crescimento económico, desemprego, inflação, défices, taxas de juro, etc.. e se compara a situação com a do Japão por exemplo, parece difícil de entender o sucedido ao dólar.

O que ficou referido não impede ainda assim uma certa lógica nos ataques às moedas europeias: tudo passa por uma questão de credibilidade, de que a política económica alemã disfruta mas que por exemplo a Itália ou a Espanha não merecem aos olhos dos investidores. Porém, o que nos interessa sobretudo aqui é o facto destas flutuações cambiais terem efeitos nefastos muito importantes sobre as moedas e a economia dos países europeus como Portugal. Isto não só pelas perdas de confiança que podem gerar, pelo impacto das subidas das taxas de juro, pela incerteza que acarretam para as trocas internacionais e pelos custos de ajustamento que provocam às empresas, por exemplo em termos de decisões de investimento.

Temos assim dois tipos de problemas. Primeiro, nem o SME nem nenhum outro sistema podem garantir actualmente uma perfeita estabilidade cambial na Europa ou onde seja. Por um lado devido à inerente instabilidade de qualquer sistema de câmbios fixos face aos actuais enormes volumes de dinheiro que os especuladores podem aplicar contra moedas frágeis. Por outro, devido aos efeitos do fogo cruzado entre o dólar, o yene e o marco alemão. Segundo, esta instabilidade cambial, muitas vezes exagerada, tem custos económicos importantes, podendo mesmo pôr em causa as vantagens do próprio mercado único europeu.

Nestas circunstâncias, esvaziam-se as situações de meias tintas, deixando lugar apenas a duas alternativas possíveis: ou se recua para uma total flutuação cambial e se perde muito do que se ganhou até aqui com a construção europeia, ou se avança tão cedo quanto possível para a moeda única. Só que tal exige também que as políticas económicas dos restantes Estados Membros se aproximem bastante em credibilidade e taxa de inflação das da Alemanha. Caso contrário evitavam-se os custos cambiais mas criavam-se novos problemas de competitividade e má afectação de recursos.